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Janaina Xavier sobre machismo no esporte: ‘Respeito não é concessão’

Uma das vozes do manifesto #DeixaElaTrabalhar, a jornalista e apresentadora do SporTV falou ao Esporte ao Minuto com exclusividade

No último domingo (25), um grupo de mulheres que atuam no jornalismo esportivo brasileiro lançou um manifesto contra o assédio, o abuso e o machismo que elas sofrem diariamente em pleno exercício da profissão. Horas após a divulgação do vídeo da campanha, intitulada #DeixaElaTrabalhar, o assunto já era o mais comentado na internet naquele dia de rodada de futebol.

A discussão repercutiu e logo alcançou clubes, jogadores, torcedores e profissionais da imprensa desportiva. O barulho estava no ar e atravessou fronteiras.

Veículos internacionais como a BBC e o The Guardian, do Reino Unido, além de jornais esportivos globais como o Record, de Portugal, e os espanhóis Marca e Mundo Deportivo, publicaram o movimento que começou com cerca de 50 jornalistas e agora já conta com mais de 100 profissionais.

A jornalista e apresentadora Janaina Xavier, dos canais SporTV, é uma das vozes que pedem um “basta” contra o machismo e o desrespeito no jornalismo esportivo. Ela conversou com exclusividade com o Esporte ao Minuto e falou sobre esse tema que merece muita, mas muita atenção.

“(O manifesto) Surgiu de uma forma muito espontânea. Surgiu de um grupo pequeno, as meninas começaram um debate entre elas sobre o que poderia ser feito nesse sentido de melhorar, de cobrar, não só dos torcedores, mas da sociedade de uma forma geral essa questão do respeito. Porque realmente as meninas que estão na linha de frente, que estão expostas na rua gravando, fazendo transmissões, cobrindo os treinos, elas sofrem muito mais do que eu hoje em dia. Já tive 18 anos na rua e sei o que cada uma delas passa. Hoje estou mais ‘blindada’ dentro do estúdio. Então não tenho mais esse contato direto com ‘esse mundo externo’”, explicou Janaina, que apresenta o programa “Planeta SporTV”.

“Esse pequeno debate começou a gerar interesse de outras jornalistas que queriam participar. E aí houve uma discussão de que forma chamar a atenção da sociedade para isso. Nós queríamos dizer um ‘chega!’. Na verdade, respeito, o que não é nenhuma concessão. A gente não está cobrando nada de que não tenhamos direito”, acrescentou.

Janaina conta ainda que o #DeixaElaTrabalhar chegou às escolas, algo animador por se tratar de um problema social que os adultos às vezes aprendem quando ainda são crianças.

“Uma professora do Mato Grosso usou o manifesto como tema de redação dentro da escola. Ela mandou isso para uma das jornalistas e a gente comemorou que a discussão entrou na escola. Porque a grande esperança, não só em relação ao machismo, é a educação. É a grande esperança para esse país voltar a crescer algum dia”, revela a jornalista, que mostrou o vídeo para a filha Maria Eduarda.

“Eu fiz questão de mostrar o manifesto para a minha filha. Ela tem 8 anos de idade. Não é um vídeo fácil de uma criança assistir, mas eu quis que ela visse para ela entender o que a mulher sofre e para ela se blindar, saber se defender e conversar com as amigas na escolas sobre isso”, ressalta.

UM PROBLEMA QUE NÃO É DE AGORA

Janaina está com 40 de idade, quase 41, como ela mesma diz, e tem 20 anos de carreira. Por conta de sua experiência, ela já viu e viveu muitas coisas dentro do universo masculino do jornalismo esportivo e… sabe bem o que está falando.

“Eu fiquei por 18 anos (trabalhando) na rua. Eu comecei muito cedo na reportagem esportiva. No segundo ano de faculdade eu já era repórter de um canal em Curitiba. Eu estou falando de 1998, quando o futebol aqui não era essa coisa profissional que é hoje, com as salas de conferência (de imprensa). Era aquela época ainda que os jornalistas entravam no vestiário depois do jogo. Eu não entrava, então eu tinha que contar com a boa vontade de um atleta ou de um treinador que saísse para falar comigo. Caso contrário, eu perdia a entrevista”, lembra Xavier, que resgata da memória os olhos desconfiados que a olhavam há alguns anos.

“Eu sentia muito naquela época uma resistência do jogador, do treinador, do assessor de imprensa e de colegas de profissão, do tipo: ‘nossa, o que essa menina está fazendo aqui? O que ela sabe de futebol?’. Sempre um olhar de desconfiança. E é claro, uma cantada aqui, um convite para sair ali. Sempre houve e há até hoje. Não comigo, pois como eu já disse, estou blindada. As pessoas já me conhecem, estou há 20 anos nessa. Então o comportamento vai mudando”, afirma.

O TEMA DENTRO DAS REDAÇÕES

O manifesto #DeixaElaTrabalhar tomou forma depois que a repórter Bruna Dealtry, do canal Esporte Interativo, sofreu assédio enquanto fazia uma reportagem entre torcedores do Vasco. Um homem tentou beijá-la sem seu consentimento.

Para Janaina Xavier, o desrespeito por parte do torcedor é o mais evidente. “Eu sinto que hoje o maior sofrimento é em relação ao tratamento do torcedor. Porque futebol especialmente mexe muito com a paixão”, aponta a jornalista.

Mas ela ressalta que o machismo existe também dentro das próprias redações e de diversas maneiras.

“A curto prazo (o que o movimento espera), é mexer com a consciência das pessoas. Não só dos torcedores. A gente sofre esse preconceito por sermos mulheres nesse ambiente tão masculino o tempo inteiro. Dentro das nossas redações. Basta ver que temos poucas mulheres que são chefes, poucas mulheres que vão à Copa do Mundo. Eu vou à Copa, mas sou eu e mais duas ou três. É pouco dentro de um universo masculino tão grande”, diz.

“A gente sofre nas redações. Se você colocar uma roupa mais decotada, já te olham e falam: hum, tá bonita hoje’. Já tem aquele comentário desnecessário. É sempre a sensação de que você está ali ou porque você é bonita, ou porque você tem um padrinho, ou porque você saiu com alguém. Nunca é porque ela é muito competente, porque ela é tão competente ou mais do que o colega homem dela. É raro você ver esse conhecimento dos colegas dentro da empresa”, acrescenta.

Por outro lado, Janaina pondera e ressalta que após o lançamento da campanha, ela percebeu nos colegas homens uma “mão na consciência” e apoio.

“Desde que houve o manifesto no domingo, a gente já sentiu os nossos colegas (dentro da redação) debatendo sobre o assunto. Sentimos um apoio extremo de muitos colegas homens, que estão engajados, divulgando a campanha, e pedindo que outros colegas também se engajem e apoiem as meninas”, conta ela.

A LUTA CONTINUA

De fato e infelizmente, a luta das mulheres por respeito no ambiente profissional e no convívio social como um todo ainda vai precisar de mais gritos como o do #DeixaElaTrabalhar, mas cada “vitória diária” é preciso ser comemorada para que o “sonho” seja vivido.

“Um retorno lindo que a gente teve é que recebemos vários depoimentos de meninas que sonhavam em fazer jornalismo esportivo, tinham desistido, e agora depois do manifesto se sentiram mais fortes. E é isso o que a gente quer. A gente quer mostrar que é possível e que juntas podemos transformar esse universo, que a força de tantas mulheres inteligentes, conscientes, pode sim transformar. E que não tenham medo”, começa ela, antes de falar o que deseja para o futuro.

Notícias ao Minuto

“Eu quero primeiro que as próximas gerações não sofram esse preconceito que a minha geração sofreu e que sofre ainda. Eu quero olhar para redação e ver mulheres na chefia de um programa, mulheres na chefia de redação. Eu quero olhar para uma lista de Copa do Mundo e ver que metade dos jornalistas convocados são mulheres. Eu sonho com a igualdade. Que a apresentadora ganhe tanto quanto o apresentador. Tudo isso que a gente martela, martela há tantas décadas. Acho que já conquistamos muito, mas ainda há um grande caminho a percorrer”, finaliza.

Por FERNANDO VIERI

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